Entrevista ao Diário de Notícias
06 de Janeiro de 2016
Edgar Silva concedeu uma entrevista ao jornalista Octávio Lousada Oliveira, publicada na edição de 6 de Janeiro de 2016 do Diário de Notícias. Também disponível em dn.pt
Edgar Silva, candidato apoiado pelo PCP, nem quer ouvir falar da vitória do professor. Entre as inúmeras farpas a Marcelo, insinua que Maria de Belém não é de esquerda
O PCP contestou a solução adotada pelo governo no caso Banif e votou contra o Orçamento Retificativo, que previa uma capitalização pública do banco. Era viável integrá-lo na CGD?
Era uma hipótese a ser seriamente considerada. Não seria a única mas seria eventualmente mais ajustada, na medida em que não implicaria, como na orientação que acabou por vigorar, imputar mais esta sobrecarga aos portugueses.
No entanto, afirmou que caso fosse Presidente da República não teria vetado o Orçamento Retificativo. Não são posições contraditórias? Até mesmo em relação à do PCP?
Enquanto candidato à presidência, não sou de um grupo parlamentar e não sou deputado. Eu tenho discordâncias profundas relativamente àquela orientação sobretudo porque ela decorreu e está associada a um crime económico. Teve responsáveis e vítimas - os portugueses, que terão que pagar por mais esta situação de insolvência. Se eu fosse Presidente, teria uma conduta completamente diferente daquela que teve o atual Presidente. Muito antes deste desfecho, estaria obrigado a ter uma intervenção muito mais exigente, preventiva, de apuramento de informação sobre todos estes processos, o que não me parece que tenha acontecido. O Presidente foi dando garantias que se vieram a demonstrar infundadas relativamente à segurança, à robustez, à solidez do sistema bancário. Se fosse Presidente estaria confrontado com uma situação extrema, com uma situação limite.
A promulgação deste Orçamento Retificativo seria um mal menor.
Seria. Numa situação limite, numa situação extrema como esta, enquanto Presidente da República, o sentido de responsabilidade no atual quadro político não poderia pôr de parte a hipótese da promulgação, até para evitar, pouco tempo depois da tomada de posse do novo governo, a perceção de que poderia estar em causa uma crise política gravíssima.
Já afirmou - e cito - que "não se pode pedir a uma raposa que tenha a responsabilidade de vigiar o galinheiro". Estava a referir-se ao governador do Banco de Portugal. Na sua opinião, a questão resolve-se com a demissão de Carlos Costa ou é preciso alterar o formato e as competências do supervisor da banca?
As questões não se reportam apenas a uma avaliação subjetiva da pessoa em causa, embora não deixe de ter uma opinião em relação a responsabilidades diretas do atual governador em todos estes processos. Agora, a questão de fundo que se está a colocar é a da necessidade de uma rutura com o modelo que tem vindo a vigorar e da necessidade de haver uma outra garantia de defesa dos interesses do Estado português e do interesse público, passando por uma garantia de pleno controlo público relativamente
Considera que houve um conluio, entre o Presidente, o governo anterior e o governador do Banco de Portugal para que não fosse posta em causa a dita "saída limpa"?
Houve conivência aos mais variados níveis. Portanto, em todos estes processos, da parte do atual Presidente da República, de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, do governo do PSD-CDS, numa articulação com o governador do Banco de Portugal, houve uma clara intenção dolosa porque sabiam que iam provocar danos ao Estado português, mas tudo fizeram por ocultar e dissimular, apontando inverdades. Tudo para que, antes das eleições e da suposta saída limpa, parecesse num quadro de alguma normalidade.
Na mensagem de Ano Novo, Cavaco Silva disse que Portugal se "identifica plenamente com os valores civilizacionais do Ocidente e com o modelo de desenvolvimento económico e social da Europa". E acrescentou que vivemos "tempos de incerteza", notando até que "temos o dever de defender o modelo político, económico e social que, ao longo de décadas, nos trouxe paz, desenvolvimento e justiça". Como analisa estas palavras e estes recados do Chefe do Estado?
O Presidente da República o que omite, o que esconde, é que foi conivente, corresponsável, juntamente com o governo PSD-CDS, por um conjunto de políticas que tornaram Portugal ainda mais pobre, com situações de ainda maior injustiça social, de grande desigualdade territorial, com ainda mais profundas assimetrias não só sociais como territoriais.
Tinha dito aos microfones da Renascença que tudo fará para que Portugal saia da NATO.
Não disse que tudo farei porque isso nem é competência do Presidente da República.
Ou, melhor, que exerceria a sua magistratura de influência nesse sentido.
A Constituição diz que Portugal não integrará nenhum bloco político-militar. Se a NATO é um bloco político-militar - e é -, então Portugal tem de pensar nisto porque não podemos continuar a ter uma Constituição que não seja para levar a sério. O Presidente da República não pode ser indiferente ao seu dever de lançar este debate na sociedade portuguesa.
Não teme que a multiplicidade de candidatos de esquerda tornem estas presidenciais uma espécie de "passeio" para Marcelo Rebelo de Sousa?
O candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS, o candidato de Passos Coelho e Paulo Portas, que é também o candidato de Cavaco Silva, tudo fará para vencer as eleições porque o PSD e o CDS veem nele a possibilidade de recuperação de parcelas de poder que perderam nas eleições de 4 de outubro e têm vontade de fazer destas eleições um ajuste de contas. Nestas eleições, a pluralidade das outras candidaturas não vejo que seja um fator de facilitação ao PSD e ao CDS, ou de facilitação a Marcelo Rebelo de Sousa. Isto porque uma das condições para que nenhum dos candidatos ganhe à primeira volta estas eleições é que se consiga mobilizar o maior número de homens e de mulheres para a participação no ato eleitoral.
Mas Marcelo já disse que não quer "crise política sobre crise política" e que dificilmente haverá dissolução do Parlamento...
Não é só por isso. PSD e CDS sabem que o seu candidato na Presidência da República lhes dará garantias de um conjunto de políticas que comprometeram a direita ao longo destes anos de intensificação da exploração e do empobrecimento. Terão em Marcelo Rebelo de Sousa um aliado, uma garantia de que boa parte dessas políticas, sempre que necessário, serão salvaguardadas. O que Portugal menos precisa agora é de um Cavaco Silva a cores - idêntico quanto à natureza das políticas, completamente simétrico, mas a cores. Então, cada uma das outras candidaturas, que eu não chamaria de esquerda...
Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém e Marisa Matias ocupam um espaço à esquerda...
Não se pode obrigar alguém a ser aquilo que não é. Até aconteceu com um outro candidato, como Maria de Belém, que é militante e teve as mais elevadas responsabilidades no PS, mas pelas ligações que tem a grupos económicos, a grandes interesses financeiros, não sei se aceitará de bom grado que a sua candidatura seja de esquerda. A minha candidatura é despudoradamente, desavergonhadamente de esquerda, assente nos valores de abril e no compromisso com a Constituição.
Considera ser o homem certo para impedir que Marcelo vença à primeira volta?
Está ao nosso alcance derrotá-lo política e eleitoralmente. Agora, esta fase em que vamos partir para a intervenção, mobilização e esclarecimento vai ser decisiva. Está tudo em aberto.
A última sondagem publicada no DN, em dezembro, dava-lhe 3% das intenções de voto. Não está a ser demasiado otimista?
Há uma dinâmica de crescimento. As primeiras sondagens apontavam para 1%, depois 3%, depois 5%. E tenho uma clara perceção de que essa dinâmica de crescimento, de alargamento do espaço político com o conjunto de novos apoios que têm vindo a surgir, que isso vai fazer caminho até às eleições.
"Numa situação limite não é de excluir a demissão do primeiro-ministro"
Não indo à segunda volta, qual seria o candidato de esquerda que preferia que passasse?
Neste momento, não considero outra hipótese - o que seria desejável seria ganhar as eleições logo à primeira. A hipótese que considero é que é esta dinâmica de crescimento se materialize e se vá densificando ao longo das próximas semanas. E considero que o que se coloca como minha perspetiva é essa de derrotar o candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS.
Hesitaria em votar em algum candidato de esquerda que fosse às urnas contra Marcelo?
Há um conjunto de pessoas que às vezes vivem no equívoco de pensar ou dizer que "Na segunda volta logo se vê. Aí podem contar comigo, aí é que vamos...". Ora, esse é um erro gravíssimo, tudo se decide agora a 24 de janeiro.
É o candidato com o orçamento de campanha mais elevado (cerca de 750 mil euros). Não considera que é um valor excessivamente alto?
Na previsão da despesa, sim, mas não é o orçamento mais elevado. Da parte da minha candidatura há o compromisso de só gastar o estritamente necessário para a divulgação dos nossos compromissos, valores e propostas. Agora, também reconheço que há candidatos, nomeadamente Marcelo Rebelo de Sousa, que não precisam de gastar. Ele foi pago, recebeu, e muito, para preparar a candidatura. Esta hipocrisia de aparecer agora a comer de marmita, num concurso de "a minha marmita é mais pobre que a tua", quando depois há compromissos de fundo com os grandes interesses financeiros, com a banca, com os banqueiros, não só passando férias com eles. Parece-me grave e é preciso desmascará-la.
Chegando a Presidente, hesitaria em vetar diplomas da atual maioria? Quais seriam as suas linhas vermelhas?
Desde logo, [vetaria] sempre que um qualquer diploma comportasse situações de inconstitucionalidade formal, material ou por omissão. Em qualquer circunstância defenderei sempre a Constituição e os seus princípios.
Cortes de salários e pensões, sobretaxas e contribuições extraordinárias não passariam no seu crivo?
Tudo quanto possa permitir restituir direitos que foram usurpados e reconquistar rendimentos contará com o meu apoio. O contrário também é verdade.
Os acordos que o PS assinou com BE, PCP e PEV não lhe parecem frágeis?
Eles não são iguais nem equiparáveis, têm diferenciações e algumas de fundo. O que espero é que esses compromissos sejam para prevalecer e que tenham plena materialização com a maior urgência.
Mas acredita que estes documentos asseguram as tais condições de estabilidade e de durabilidade do governo?
Não dão garantia de durabilidade absoluta a priori. Agora, eu tenho ideia de que, se aqueles compromissos forem materializados, estarão reunidas as condições para o normal funcionamento das instituições.
Não dão, portanto, essas garantias...
Os compromissos foram assumidos mas nada garante que uma das partes possa ser incumpridora. Havendo incumprimento, naturalmente que se há-de criar uma situação de dificuldade.
Se os acordos se desfizerem e o funcionamento das instituições for posto em causa, o que faria?
Tudo faria para que no quadro da Assembleia da República se pudessem encontrar soluções de viabilização de soluções do governo.
Evitaria ao máximo a dissolução do Parlamento?
Sim, sim, até ao limite. O que o país menos precisa é de campanhas atrás de campanhas e de instabilidade política. Precisamos de encontrar no quadro do Parlamento soluções que garantam perspetivas de estabilidade e, sobretudo, condições de compromisso.
Mesmo que isso implicasse demitir o primeiro-ministro e encontrar outro?
Isso será sempre uma matéria que resultará de um debate entre as forças com assento parlamentar mas só em último caso, em instância mesmo muito extrema.
Ou seja, numa situação limite não exclui essa hipótese.
Sim, não é de pôr de parte.