Entrevista ao Diário Económico
11 de Dezembro de 2015
Edgar Silva concedeu uma entrevista à jornalista Márcia Galrão, publicada na edição de 11 de Dezembro de 2015 do jornal Diário Económico.
Edgar Silva, o antigo padre que se candidata à Presidência da República, apoiado pelo PCP, aponta o dedo aos que usam o Papa Francisco para conquistar eleitorado: «Uma obscenidade», diz em entrevista ao ETV/Diário Económico.
Confia em António Costa?
Enquanto Presidente da República terei sempre esse sentido de lealdade democrática e institucional, seja António Costa o primeiro-ministro ou um outro qualquer. E estarei sempre de boa fé numa relação que tem que ser de confiança institucional.
Uma das pressões que terá sobre si é a da marcação de eleições antecipadas...
Eleições antecipadas não são questão relevante, neste momento. Estão criadas todas as condições para que o Governo governe e a Assembleia possa legislar. Há um compromisso que reúne quatro grupos parlamentares, que afirma que existem condições para viabilização de uma solução de Governo. Não há perspectiva de crise política. E preciso, nesta maioria que está criada, que os compromissos sejam para valer. E que imediatamente se concretizem medidas que sejam palpadas, como de reconquista de direitos e da dignidade e esperança. Para que as pessoas sintam que que um novo rumo está a acontecer e que direitos concretos estão a ser restituídos.
Está confiante que esta solução de esquerda terá capacidade para aprovar essas medidas?
Não iria tão longe a dizer que há um acordo de esquerda. Há neste caso um governo da iniciativa do PS e existem compromissos assumidos por quatro grupos parlamentares. Espero que cada um prevaleça e tenha implicações práticas a curto e médio prazo.
O Tratado Orçamental tem sido apontado como a grande linha divisória nos acordos agora assinados. Até que ponto Portugal deve revertê-lo ou cumpri-lo?
Portugal tem compromissos internacionais e o Tratado Orçamental é um deles. Mas não podemos esquecer que o Tratado Orçamental traz constrangimentos ao país com incidências devastadoras para os portugueses. Não podemos ficar de mãos atadas a um Tratado se ele gera tanta morte social. Ainda agora Hollande disse que para fazer face a problemas que decorrem do terrorismo a França colocava a possibilidade de não cumprir o Tratado, nomeadamente em relação às metas do défice. Nós que temos tanta gente na mais descalça pobreza, havemos ficar indiferentes ao clamor de Portugal para obedecer a um défice quando outros no quadro da UE têm que tomar medidas para combater o terrorismo? Temos de tomar medidas para resolver estes problemas que em nada são de menor gravidade. Desse ponto de vista também o Presidente não jura cumprir e defender o Tratado Orçamental, mas sim a Constituição. Não posso omitir ou suspender a jura feita para defender aquilo que não jurei defender. Não podemos ser um país vergado aos interesses das grandes economias europeias ou vocacionado, como alguns querem, a ser uma colónia de férias da senhora Merkel e dos seus amigos.
A divisão na esquerda favorece o candidato da direita?
Não diria que temos em Portugal vários candidatos da esquerda. A minha candidatura é desavergonhadamente de esquerda. Nesta pluralidade de candidaturas, um unanimismo não seria vantajoso para a viragem que se quer para Portugal.
Quase todos os candidatos citam o Papa Francisco. O seu passado pode ser vantagem ou desvantagem para um eleitorado católico?
Não sei se há eleitorado católico. Há católicos em todos os quadrantes políticos. Em relação aos candidatos não se pode medir o ideário ou os compromissos com os valores do catolicismo na proporção das citações que fazem do Papa e alguns fazem-no sem nunca ter lido nada do documento do Papa. O Presidente não toma partido relativamente a uma confissão religiosa. Acho de uma obscenidade e oportunismo a tentativa de instrumentalização de discursos do Papa Francisco para efeitos de campanha eleitoral. Eu recuso-me a fazer isso.
Como chefe supremo das Forças Armadas qual será a sua posição perante conflitos militares?
Tudo fazer para que Portugal não se envolva em conflitos político- -militares que nada tenham a ver com a vontade dos portugueses e que violem a Constituição e os seus compromissos. Para que Portugal assuma na cena internacional a promoção da paz.
A Constituição não precisa de ser revista, como pediu a direita?
Boa parte da direita não aceita, nem perdoa, que tenhamos esta Constituição. A Constituição incorpora os grandes valores de Abril. Considero-a fundamental e uma lei à qual o Presidente da República deve ficar vinculado. Porque ela é uma base programática e como documento constitucional é dos mais avançados e progressistas à escala mundial. A direita já por sete vezes tentou alterá-la, tentou governar contra ela e por vezes ignorar a Constituição. O Presidente viu nesta legislatura por 13 vezes o Tribunal Constitucional chumbar diplomas que ele tinha promulgado. Vários candidatos à Presidência da República, na primeira oportunidade, tudo farão, havendo conjuntura política favorável, para dar cabo desta Constituição.
A Constituição impediu medidas que o Governo dizia essenciais.
O actual Presidente só não foi mais longe no impor uma outra solução política ao país porque a Constituição para ele era um entrave. Mais do que um garante do normal funcionamento das instituições, para a direita é uma pedra no sapato, e não é pequena.